Texto para o item.

Quando os jornais anunciaram para o dia 1.° deste mês uma parede de açougueiros, a sensação que tive foi muito diversa da de todos os meus concidadãos. Vós ficastes aterrados; eu agradeci o acontecimento ao Céu. Boa ocasião para converter esta cidade ao vegetarismo.

Não sei se sabem que eu era carnívoro por educação e vegetariano por principio. Criaram-me a carne, mais carne, ainda carne, sempre carne. Quando cheguei ao uso da razão e organizei o meu código de princípios,

inclui nele vegetarismo: mas era tarde para a execucão. Fiquei carnívoro. Era a sorte humana: foi a minha. Certo. a arte disfarca a hediondez da matéria. O cozinheiro corrige o talho. Pelo que respeita ao boi, a ausência do vulto inteiro faz esquecer que a gente come um pedaço de animal. Não importa, o homem è carnivoro.

Deus, ao contrário, é vegetariano. Para mim, a questão do paraíso terrestre explica-se clara e singelamente pelo 10 vegetarismo. Deus criou o homem para os vegetais, e os vegetais para o homem; fez o paraíso cheio de amores e frutos, e pôs o homem nele. Comei de tudo, disse-lhe, menos do fruto desta árvore. Ora, essa chamada árvore era simplesmente carne, um pedaço de boi, talvez um boi inteiro. Se eu soubesse hebraico, explicaria isto muito melhor. Vede o nobre cavalo! o paciente burro! o incomparável jumento! Vede o próprio boi! Contentam-se todos com a erva e o milho. A carne, tão saborosa à onça, - e ao gato, seu parente pobre, - não diz coisa nenhuma aos animais amigos do homem, salvo o cão, exceção misteriosa, que não chego a entender. Talvez, por mais amigo que todos, comesse o resto 16 do primeiro almoço de Adão, de onde lhe veio igual castigo.

Enfim, chegou o dia 1.° de março; quase todos os açougues amanheceram sem carne. Chamei a família; com um discurso mostrei-lhe que a superioridade do vegetal sobre o animal era tão grande, que deviamos aproveitar a ocasião e 19 adotar o são e fecundo princípio vegetariano. Nada de ovos, nem leite, que fediam a carne. Ervas, ervas santas, puras, em que não há sangue, todas as variedades das plantas, que não berram nem esperneiam, quando lhes tiram a vida. Convenci a todos: não tivemos almoco nem iantar. mas dois banquetes. Nos outros dias a mesma coisa. 22 Não desmaieis, retalhistas. nesta forte emoresa. Dizia um grande filosofo que era preciso recomecar o entendimento humano. Eu creio que o estomago também, porque não há bom raciocínio sem boa digestão, e não há boa digestão com a maidição da carne. Morre-se de porco. Quem já morreu de alface? Retalhistas, meus amigos, por amor 2s daquele filosofo, por amor de mim. continuei a resistência. Os vegetarianos vos serão gratos.


Acerca dos aspectos gramaticais e dos sentidos do texto apresentado, julgue o item.

O emprego da vírgula logo após “açougueiros” (linha 1) justifica-se por isolar uma oração adverbial deslocada. 



( ) Certo

( ) Errado




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